A rotina de pessoas que não têm hospital em 12 municípios da Região Central

Pâmela Rubin Matge

A rotina de pessoas que não têm hospital em 12 municípios da Região Central

O receio pela própria saúde ou a constante necessidade de prevenção a doenças implicam na garantia de acesso ao serviço. Quando quilômetros e quilômetros separam pacientes de hospitais, o problema ganha outras proporções e envolve a população, a atuação de gestores públicos e, por vezes, decisões políticas. Ficar doente e não contar com um hospital figura entre as maiores preocupações de moradores de 12 entre os 39 municípios da área de cobertura do Diário, na Região Central: Dilermando de Aguiar, Itaara, Itacurubi, Jari, Nova Esperança do Sul, Santa Margarida do Sul, São Martinho da Serra, Santana da Boa Vista, Toropi, Quevedos, Unistalda e Vila Nova do Sul.

Pacientes de três dessas cidades ainda precisam enfrentar trechos de estrada de chão para acessar o hospital mais próximo: Quevedos, São Martinho da Serra e Jari. Muitos gestores em saúde não esgotam esforços para estruturar Unidades Básicas de Saúde (UBS) ou investir em Estratégia em Saúde da Família (ESF), mas os recursos não são suficientes nem os atendimentos resolutivos, já que são necessárias consultas e procedimentos especializados. O jeito é comprar ambulâncias para levar o paciente a um ambulatório ou hospital-referência mais próximo e lotar veículos – vans, micro-ônibus e ônibus – de pessoas.

Foto: Marcelo Oliveira

Desde a emancipação, esse problema é crônico e atinge e as pequenas cidades e seus frágeis sistemas de saúde. Um prefeito da região ainda usa a expressão “taxímetro” para se referir os gastos em transporte.

– Fizemos serviço de táxi e o município liga um taxímetro todo mês – diz Gelso Soares (PDT), chefe do Executivo de Itacurubi.

Sem assistência local, é preciso fazer convênios com clínicas particulares para realização de exames ou de repasses de verbas mensais a hospitais de municípios vizinhos. São Pedro do Sul, São Gabriel e Santiago (veja nas próximas páginas), por exemplo, são micropolos de saúde e  recebem pacientes e recursos de cidades menores, que não contam com o serviço hospitalar. Os atendimentos vão de consultas, ultrassonografias até cirurgias.Já casos de alta complexidade, que em geral, incluem equipes médicas multidisciplinares, recursos tecnológicos, diagnóstico e tratamento, precisam vir ao Hospital Universitário de Santa Maria (Husm).Foi no Husm que a comerciante Leonice Stefan Machado, 46 anos, encontrou recursos médicos para se tratar:

– Descobri o câncer de mama em 2019 e tratei uns seis meses. Depois apareceu no fígado. Faz três anos que estou nesta luta. Sigo até hoje fazendo quimioterapia. Tem vezes que eu vou quatro vezes no mesmo mês. Tem de ser no Husm. É longe, quase três horas para ir e mais três para voltar. Às vezes, passo meio mal quando é muito calor ou no forte do inverno, mas é o que temos.APENAS 35 HOSPITAIS 100% SUS

Foto: Marcelo Oliveira

Outra estatística alarmante é que mais da metade das cidades do Rio Grande do Sul não conta com unidade hospitalar: são 272 municípios entre 497. Já hospitais públicos, isto é, que atendem 100% SUS, são apenas 35 em todo território gaúcho. Na Região Central, segundo a Secretaria Estadual da Saúde, são seis em cinco cidades: Hospital Municipal Pedro Calil, em Formigueiro; Fundacão Médico Hospitalar em Lavras do Sul,  Hospital Municipal de São Pedro do Sul, Hospital de São Vicente do Sul; Hospital Regional e Hospital Universitário de Santa Maria (Husm).RISCOS

Além do desgaste para pacientes e do impacto financeiro para as prefeituras, as idas e vindas de uma cidade a outra deparam com o perigo no trânsito. Não raro, acidentes envolvendo veículos a serviço da saúde se envolvem em acidentes. No ano passado, em 30 dezembro, 10 ocupantes de uma van da Secretaria da Saúde de Sanatana da Boa Vista ficaram feridos após o veículo em que estavam colidir com um caminhão.Um dos casos mais graves envolvendo carros com pacientes aconteceu em 2014. À época, um micro-ônibus da Secretaria de Saúde de Santiago que levava pacientes para consultas em Faxinal do Soturno colidiu com um caminhão na BR-287, perto do trevo de acesso a São Vicente. Seis pessoas morreram.

EM ITACURUBI, PACIENTES SAEM DE MADRUGADA E VOLTAM À NOITE PARA CASA

Foto: Marcelo Oliveira

Sem cobertura hospital, é para a cidade de Santiago que moradores de Itacurubi precisam se deslocar para exames específicos e internações. Para serem assistidos em outras especialidades médicas  ou para tratamentos mais complexos, porém, é o Hospital Universitário de Santa Maria (Husm), a cerca de 250 km, que recebe esses pacientes. Do orçamento do município – cerca de R$ 23 milhões – 15% é aplicado em saúde. Deste percentual, a maior fatia acaba sendo destinada ao transporte de veículos.

– Quando a comunidade nos procura é porque já está precisando do atendimento, pois muitos são humildes e têm problemas de logística. E é aí que entra o setor público, que em cidades pequenas funciona como “táxi”. Estamos dando ênfase nos serviço de telemedicina. Temos oito médicos para uma população de 3,5 mil habitantes, estamos reformando a UBS, mas ainda precisamos evoluir e muito. Há recursos, mas não conseguimos diminuir o fluxo de transporte. A distância nos prejudica – observa o prefeito Gelso Soares (PDT).

Há 12 anos, o acesso de Itacurubi à BR-287 foi asfaltado. Há pouco mais de uma década,  principalmente em períodos de chuva, a travessia era ainda mais complicada – lembra o prefeito da cidade, que completa 34 anos de emancipação na segunda-feira.– O asfalto demorou, mas terminamos no ano passado. É menos um problema.Veja um exemplo clássico: uma van sai daqui e há um custo alto para isso. Então, temos de ocupar todos os lugares e fazer só uma viagem, pois não podemos mandar vários carros no mesmo dia, senão os cofres públicos não aguentam. Acontece que para a pessoa que acorda na madrugada é cansativo. Às vezes, é preciso esperar o atendimento dos outros pacientes e só voltar para casa à noite – diz o prefeito.

Desde o ano passado, a aposentada Enezília de Jesus, 62 anos, faz um tratamento oncológico. As sessões de quimioterapia começaram no Hospital de Caridade de Santiago. O tratamento já está na fase final e ela se recupera bem. Na próxima semana, ela fará uma cirurgia. Esse procedimento terá de ser em Santa Maria.– Saímos às 4h e passamos o dia todo no carro. A gente consulta e volta para o veículo porque é o lugar que temos para ficar, tem que se adaptar. Tem vezes que é difícil. Nas químios, eu ficava debilitada, vinha sacolejando até aqui. O município faz o que pode, mas não é fácil para ninguém que vive longe dos hospitais – relata a paciente.

VIAGENS DIÁRIAS CONTAM COMA SENSIBILIDADE DOS MOTORISTAS

Foto: Eduardo Ramos

Em geral, as viagens que partem de municípios sem hospitais para cidades onde há cobertura hospitalar ocorrem todos os dias. São ônibus, vans e, dependendo dos casos, ambulâncias. Os pacientes buscam pelos mais diversos exames e tratamentos. Na ausência de familiares é para os motoristas que muitas pessoas dão a notícia de diagnósticos que recebem, sejam esses de cura ou da detecção de uma doença grave.

– Acontece de alguém vir fazer um exame e chegar no ônibus e me dizer que descobriu que está com um câncer em estágio avançado. Imagina a fragilidade dessa pessoa. Muitos choram, se desesperam, desabafam, pois é algo triste e o que tu pode fazer é dar um abraço – conta Éder Joel da Rocha Soares, 42 anos.

Há uma década, ele é responsável pelo transporte dos pacientes do município de Toropi, cerca de 60 km de Santa Maria. Na última quarta-feira, ele dirigia um micro-ônibus que trouxe 15 pacientes para o Husm. Eventualmente, Soares ainda faz plantões como motorista da ambulância nos finais de semana.

Além de conduzir o veículo, a atividade exige sensibilidade e equilíbrio.  Isso porque, os municípios são pequenos e toda comunidade se conhece. A proximidade, sobretudo, com pessoas que enfrentam longos tratamentos fica ainda mais estreita entre motoristas e pacientes.  Em 10 anos de profissão, não faltam histórias de percursos delicados, perdas e amizade.– Sou pai de duas crianças e um caso me marcou muito. Era de uma menininha com uns 5 anos. Ela convulsionava durante as viagens. A família sofria, era muito difícil e ela infelizmente não resistiu. Outro foi um senhor que eu carreguei (de ônibus) durante 37 dias, diariamente, para tratar um câncer. Esse se curou. E por aí vai. A ge nte convive direto, faz o que pode. O município disponibiliza transporte, exames, mas não é fácil quando o problema é saúde – conta o motorista.

31% DOS MUNICÍPIOS DA REGIÃO CENTRAL NÃO TÊM COBERTURA HOSPITALAR

Entre os 39 municípios de cobertura do Diário, na Região Central, 12 não têm hospitais, como mostra o mapa. Entre as cidades sem hospitais, está Itacurubi. Lá, a única Unidade Básica de Saúde (UBS) passa por reformas, e os atendimentos foram transferidos para outro local. O hospital mais próximo é em Santigo, a cerca de 60 km. A maioria dos encaminhamentos, porém, são destinados para Santa Maria, a 230 km.

ITACURUBI

1 UBS e 2 ESFCerca de 3,5 mil habitantesMunicípio de referência – Santiago a cerca de 60 km- Acesso asfáltico pela BR-287Principais demandas em saúde – Exames e consultas de diversas especialidadesRepassa cerca de R$ 52 ao Hospital de Caridade de Santiago

UNISTALDA

1 UBSCerca de 2, 4 mil habitantesMunicípio de referência – Santiago a cerca de 35  km pela BR-287Principais demandas em saúde – Partos, exames e cirurgiasRepassa cerca de R$ 52 ao Hospital de Caridade de Santiago

NOVA ESPERANÇA DO SUL

1 Policlínica e 2 ESFCerca de 5,5 mil habitantesMunicípio de referência é Santiago a cerca de 35  km – Acesso asfáltico pela BR -287Principais demandas em saúde – Tomografias e ressonância magnéticaRepassa cerca de R$  50 mil ao Hospital de Caridade de Santiago

SÃO MARTINHO DA SERRA

1 UBSCerca de 3,3 mil habitantesw Município de referência – Santa Maria a cerca de  25 km. Estrada de chãoPrincipais demandas em saúde – Exames e consultasConvênios – Não informado*Até o fechamento desta edição

DILERMANDO DE AGUIAR

2 UBSw Cerca de 3 mil habitantesMunicípio de referência – São Pedro do Sul a cerca de 11 km – Acesso asfáltico pela  RST-287Principais demandas em saúde –  Exames e consultas em diversas especialidadesRepassa cerca de R$ 33 mil ao Hospital Municipal de São Pedro do Sul

JARI

1UBSCerca de 3 milMunicípio de referência -São Pedro do Sul  a cerca de 48  km – Trecho de  24 km de estrada de chão até ToropiPrincipais demandas em saúde – Exames em geral e consulta com especialistasRepassa cerca de R$ 30 mil ao Hospital Municipal de São Pedro do Sul

QUEVEDOS

1 UBSCerca de  2,7 mil habitantesMunicípio de referência – São Pedro do Sul, a cerca de 40 km – Estrada de chãoPrincipais demandas em saúde – Exames em geral e consulta com especialistasRepassa cerca de R$ 22 mil ao Hospital Municipal de São Pedro do Sul

TOROPI

1 UBSw Cerca de  3 mil habitantesMunicípio de referência – São Pedro do Sul  a cerca de 20  km – Via asfáltica pela VRS -805Principais demandas em saúde – Exames em geral e consultas especializadasRepassa cerca de R$ 29,5 mil ao Hospital Municipal de São Pedro do Sul

ITAARA

2 UBSCerca de 5,4 mil habitantesMunicípio de referência – Santa Maria, a cerca de 15 km – Acesso pela BR-158Principais demandas em saúde – Exames e consultas em geralConvênios – Não informado**Até o fechamento desta edição

SANTANA DA BOA VISTA

1 UBSCerca de 8,2 mil habitantesMunicípio de referência – PelotasPrincipais demandas em saúde – Não informado*Convênios – Não informado**Até o fechamento desta edição

VILA NOVA DO SUL

1 UBS E 1 ESFCerca de  4,2 mil habitantesMunicípio de referência – São Sepé a cerca de  60  km – Acesso asfáltico pela BR-290Principais demandas em saúde – Especialidade de traumatologia, exames diversos e cirurgia de vesículaRepassa cerca de R$ 42 ao Hospital Santo Antônio de São Sepé

SANTA MARGARIDA DO SUL

1 UBSCerca de  2,3 mil habitantesMunicípio de referência – São Gabriel a cerca de 20  km – Acesso asfáltico pela BR-290Principais demandas em saúde – Exames  e cirurgias em geralRepassa cerca de R$ 65 mil por mês à Santa Casa de São Gabriel

Por Pâmela Rubin Matge, [email protected]

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